Antipetismo transformou-se em novo fascismo

Pichação em frente a casas de petistas nas ruas do centro de Vitória 

Março de 2016 possivelmente será lembrado daqui alguns anos como o momento em que um "novo fascismo" transbordou, saiu do armário e ganhou corpo, convertendo-se em um fenômeno social incontrolável. A divergência política transmutou-se em intolerância e ódio de forma ampla, disseminada por todo o país, sem um centro político, de forma difusa, onde a violência passa a ser o instrumento privilegiado de ação. Violência em todas as suas formas, desproporcional e não restrita.


As raízes desta intolerância são profundas, algumas seculares, mas inegavelmente ela começou a ganhar seus primeiros contornos a partir de junho de 2013, quando parte das mobilizações sociais foram sequestradas pela direita. A crise de credibilidade com a política institucional serviu de mecanismo para embalar um novo ativismo conservador, à muito desconhecido no país.

A radicalização da direita no Brasil vêm em um crescente desde a derrota de Aécio para Dilma nas eleições presidenciais e o processo de crise econômica e política que se seguiram em 2015. Sem um substrato ideológico consistente, adota uma pluralidade incoerente de consignas que tem por centro único o combate ao grande "mal da sociedade": a corrupção. Essa razão moralista atualmente restringi-se apenas num espectro político: o PT e a esquerda.

O antipetismo, neste processo, se modificou de uma simples rejeição ou discordância com os postulados do partido, a um ódio que não admite sequer a existência do PT. O velho ódio de classes se ampliou e absorveu setores que anteriormente eram sensíveis as causas da própria esquerda. Mas engana-se aqueles que julgam a isto como um problema apenas dos petistas, que devem pagar pelos erros cometidos e serem banidos. Ele se amplia, passa a ter por alvo tudo o que de alguma forma lembre a esquerda, mesmo que de forma completamente tresloucada.

A hostilidade, a violência agressiva e intolerante parece ser a única gramática deste novo fascismo emergente. Ataques (físicos ou verbais) contra pessoas vestindo roupas vermelhas, mesmo sem ter qualquer vinculação política, tem se repetido em todo o Brasil. Agressões físicas a ciclistas em São Paulo, pelo simples fato de estarem andando com sua bicicleta deixaram de ser casos isolados.

Constrangimentos a figuras públicas da esquerda, em locais públicos ou em suas residências, que em 2015 ocorriam com já considerável frequência, coloca-se como uma ameaçadora rotina, onde o respeito a dimensão humana do adversário político é completamente esquecido, em nome da cruzada inquisitorial em marcha. Mas esta marcha do novo fascismo não está mais restrita a figuras públicas, como as pichações em frente a casas de supostos petistas nas ruas do centro de Vitória, no Espírito Santo, demonstram. Situação que nos obriga a traçar um paralelismo trágico com as marcações das casas dos judeus pelos nazistas.

Outra forma de perseguição política em curso que tem ganhado terreno é no campo econômico. Empresários e profissionais liberais cooptados pela onda deste novo fascismo passam a defender a demissão ou a não contratação de qualquer funcionário que tenha alguma identificação com o PT. Relatos de constrangimento contra prestadores de serviço surgem a todo instante, podendo ser um movimento que ganhe um corpo ainda maior, numa clara situação discriminatória. Em outros tempos, isto configuraria crime, hoje o fazem sem qualquer inibição ou temor.

Esta radicalização conservadora tem servido como um verdadeiro "guarda-chuva" para abrigar preconceitos de toda a natureza. Homofobia, misoginia e racismo, entre outros, tem sido inflados nesta cruzada. Relatos de agressões verbais e físicas também tem se ampliado, um exemplo foi o espancamento de um estudante indígena cotista do curso de medicina veterinária da UFRGS, no dia 17 de março, em frente a casa do estudante em Porto Alegre. Entre os agressores haviam estudantes da própria universidade.

Não acredito, no entanto, que este novo fascismo irá assumir uma clara feição racista. No Brasil a extrema-direita sempre encontrou dificuldades para constituir um caldo de intolerância contra um "inimigo étnico" como os judeus na Alemanha nazista, ainda que tentem usar o preconceito contra nordestinos e negros, por exemplo, sem muito sucesso. A ausência de uma "crise imigratória", como a europeia, impossibilita constituir um inimigo a partir de um "outro" estrangeiro. O aspecto racial deverá ser secundário, ainda que forte e muitas vezes assassino. O "outro" a ser extirpado pelos "puros" é aos petistas e a esquerda, em sua acepção mais difusa.

A parcialidade da mídia resumida e escancarada nas manchetes do jornal O Globo.

Faltou mencionar aqui neste cenário a responsabilidade da mídia, mesmo que indireta, para chegar a este estágio. Um longo histórico de anos de ataques implacáveis e cotidianos ao PT, sem permitir um equilíbrio ao contraditório, ajudaram a sedimentar e forjar este antipetismo amplificado. A radicalização do próprio discurso midiático, muitas vezes abertamente incitando a adoção de medidas extremadas contra o governo Dilma e o PT, tem sido um combustível para este movimento. As manchetes do jornal O Globo cobrindo os protestos contra o governo no dia 13 de março e as manifestações contra o impeachment no dia 18 são um bom exemplo. No dia 13 eram os brasileiros que estavam nas ruas, no dia 18 eram aliados de Dilma e Lula. Parece que para o Globo o status de brasileiro é exclusivo daqueles que comungam da mesma visão conservadora da empresa da família Marinho. O povo que foi as ruas em defesa da democracia seriam sub-cidadãos, na melhor das hipóteses.

Esta onda de violência política cresce também embalada pela sensação de "estar do lado certo", protegidos por uma opinião pública que supostamente os endossaria. Sem constrangimentos dos aparatos públicos contra a intolerância, gozam de uma imunidade aparente para exercitar toda a sorte de violência. A politização judicial colabora decisivamente, onde viceja a perigosa máxima, adaptada aos novos tempos, que aos amigos tudo, aos inimigos, nem mesmo a Lei.

O caminho para uma sociedade plural, tolerante e profundamente democrática, jamais plenamente alcançado em nosso país, parece estar interditado por tempo indeterminado em nossa agonizante república.

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