O amor impiedoso de Slavoj Žižek


Falar sobre "Amor" parece um tema, uma premissa, pouco afeita a uma problematização que extrapole o subjetivo, quando não caindo no campo do piegas. Por outro lado, a partir do amor, pode-se chegar a uma dimensão indissociável do próprio ato de amar: a crença. Como amar sem crer no que se ama?

O filósofo esloveno Slavoj Žižek em seu livro O amor impiedoso (ou: Sobre a crença), lançado no Brasil pela Autêntica Editora, analisa esta relação da crença em nossa sociedade. Publicado simultaneamente na Alemanha e na Inglaterra como Die gnadenlose Liebe (O amor impiedoso) e como On belief (Sobre a crença), respectivamente, é uma instigante abordagem sobre os mecanismos do credo e sua força.



Valendo-se de múltiplas e ecléticas referências (uma marca da obra de Žižek), traça relações que compõe sua analise sobre diversos aspectos, as vezes de forma inesperada com seus "loopings teóricos"Žižek busca demonstrar como permanece enraizada o fenômeno da crença em nossa sociedade supostamente sem Deus, ainda que tal premissa ("sociedade sem Deus") já seja ela própria questionável e fragilmente amparada, o que se explicita facilmente em qualquer lugar do mundo e a permanência da religiosidade como um aspecto presente e dominante.

Ele aborda diversas formas de crença, desde a religião cristã e o judaísmo até o "hedonismo místico new-age". A forma e os mecanismos que a estruturam e se conectam com o próprio capitalismo contemporâneo.


O amor impiedoso (ou: Sobre a crença)
Slavoj Žižek
Autêntica Editora
O amor impiedoso é a própria crença. A própria religiosidade que se manifesta em sacrifícios desprovidos de qualquer lógica aparente. Como a do próprio Deus do cristianismo, que exige o sacrifício de seu próprio filho (Jesus), para redimir a humanidade perante a si mesmo, Deus!

Contrariando o prognóstico freudiano de que a ilusão religiosa sucumbiria diante do progresso da razão tecno-científica, Žižek, valendo-se nesta empreitada do instrumental  teórico fornecido por Lacan,  mostra que a estrutura da crença é enraizada em nossas práticas sociais mais insuspeitas e aparentemente inocentes, desde a maneira como lidamos com nossos corpos no contexto da razão cibernética até o comprometimento de nossa forma de vida com o capital.


Como bem apontou Vladimir Safatle, "Žižek mostra sua capacidade de partir de premissas aparentemente não problemáticas, disposições arraigadas de conduta, assim como mitos intelectuais que não são vistos como tais, a fim de mostrar como a estrutura da crença é muito mais arraigada do que gostaríamos de imaginar. Dessa forma, essa ampliação da crença não funciona como um convite à simples defesa de sua racionalidade, mas à consciência clara dos desafios que um pensamento realmente crítico deve saber superar."


Neste sentido, o esforço de Žižek em atualizar o pensamento da esquerda, que nesta obra direciona-se principalmente no campo da psicanálise, buscando vincular a psicanálise ao anticapitalismo, tentando superar simplificações freudo-marxistas, Žižek aproxima Marx, Lacan e todo um importante referencial crítico nesta empreitada.


Retomando Lenin, Žižek afirma: "A escolha verdadeiramente livre é aquela na qual eu não simplesmente escolho entre duas ou mais opções no interior de um conjunto prévio de coordenadas, mas escolho mudar esse próprio conjunto de coordenadas". Nesta direção que se aponta a urgência e a necessidade de uma reflexão crítica radicalmente anticapitalista.

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