Confesso que eu, assim como muitos, acreditava que o Brasil, desde a Constituição de 1988, vinha caminhando para um processo de fortalecimento de suas instituições democráticas, ainda que permeada por contradições e resquícios da longa e perversa herança ditatorial. Quem imaginaria que em 2016, um juiz de primeira instância de Curitiba teria os instrumentos necessários para abalar de forma tão vigorosa a continuidade do estado democrático de direito no país?
A ameaça de ruptura da "normalidade" de nossa (imperfeita) república com uma queda da presidenta Dilma, por motivos de natureza meramente política, ao arrepio de qualquer norma legal, provam a fragilidade do sistema brasileiro. O consórcio do golpe, ao qual o juiz Moro é apenas uma parte desta engrenagem, mas que conta com tentáculos na Política Federal, Ministério Público, setores do judiciário, mídia e partidos de oposição, tem avançado por um caminho cada vez mais perigoso. Se coloca em questão, não mais a defesa de um governo ou do PT, como alguns incautos ainda tentam fazer crer. A permanência da democracia está seriamente ameaçada.
A turbulência política e o clima de mal-estar generalizado, tendo por combustível a crise econômica e a ausência de um discurso de futuro, propiciam uma sensação de desproporção nas forças em movimento. Tenta-se criar uma imagem de que existe uma maioria nacional em defesa da agenda do golpe, independentemente de haver qualquer plausibilidade nisto.
Um aspecto colateral perverso que tem acompanhado todo este processo é a exasperação do discurso de ódio (nas ruas e nas redes) em todo o país. Além de interditar a via do diálogo e do respeito a diferença, permite que a intolerância ultrapasse os limites, atingindo contornos perigosos. Os efeitos desta dinâmica, em médio prazo, serão os piores possíveis. São a ante-sala para que fantasmas, que julgávamos definitivamente sepultados ressurjam com uma força e vigor assustadores.
O autoritarismo e o retrocesso como "única voz" a se colocar como legítima, assumindo um lugar hegemônico, frente a um disputa desproporcional, tendo do outro lado um antagonismo fraco, pois apenas um lado assume firmemente suas posições, com uma esquerda fragilizada frente a seus erros, sendo o maior deles, o de não ter avançado na construção de mecanismos que efetivamente preservassem a democracia frente a ataques desta natureza. A resposta e a reação ainda são possíveis, mas parecem ser cada vez mais duras,custosas e de difícil prognóstico.
Na esteira da criminalização da política e da seletividade da mídia, a alternativa de um messianismo autoritário como saída provável se fortalece, caso não ocorra nenhuma resposta da esquerda a onda conservadora e, principalmente, ao golpismo real (e não mais especulativo) em ascensão no Brasil.
Para aqueles ainda em dúvida sobre as reais possibilidades de derrocada da democracia, encerro com esta pertinente reflexão de Luis Fernando Veríssimo:
"Às vezes imagino como seria ser um judeu na Alemanha dos anos vinte e trinta do século passado, pressentindo que alguma coisa que ameaçava sua paz e sua vida estava se formando mas sem saber exatamente o quê. Este judeu hipotético teria experimentado preconceito e discriminação na sua vida, mas não mais do que era comum na história dos judeus. Podia se sentir como um cidadão alemão, seguro dos seus direitos, e nem imaginar que em breve perderia seus direitos e eventualmente sua vida só por ser judeu. Em que ponto, para ele, o inimaginável se tornaria imaginável? E a pregação nacionalista e as primeiras manifestações fascistas deixariam de ser um distúrbio passageiro na paisagem política do que era, afinal, uma sociedade em crise mas com uma forte tradição liberal, e se tornaria uma ameaça real?"
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