O Casaco de Marx


Certa vez, olhando despretensiosamente as prateleiras de uma insuspeita livraria, me deparei com um pequeno livro que prontamente me chamou a atenção, era O Casaco de Marx – roupas, memórias, dor escrito por Peter Stallybrass. Quando encontrei este livro, nunca havia lido ou escutado nenhuma referência a seu respeito e muito menos do autor, mesmo assim resolvi me aventurar em suas páginas.  Marx é um daqueles autores cuja obra e vida foram tantas vezes escritas e comentadas que muitas vezes temos a impressão que nada de novo pode ser dito a seu respeito. Stallybrass prova o contrário com esta pequena grande obra, cuja leitura rapidamente nos prende e cativa pela qualidade da narrativa e sua consistência teórica.


Mas se por um lado é verdade que muito já se falou sobre Marx, ele segue sendo um notório desconhecido. A leitura de sua obra, infelizmente, poucos se atreveram a fazer diretamente. Comentadores de Marx que pouco ou jamais leram suas principais obras não faltam. Talvez o livro de Stallybrass pode ser um bom incentivo para quem ainda não fez, ainda que este não seja o objetivo manifesto da obra. No principal trabalho de Marx, O Capital, para descrever a vida das mercadorias, ele se utiliza, no primeiro capítulo, do exemplo de um casaco. Stallybrass resgata o casaco do próprio Marx, cuja relação está longe de ser evidente, e nos leva a conhecer aspectos vida do pensador alemão e como estas tiveram influência em sua produção intelectual.



Marx viveu uma vida de penumbra, marcada por severas dificuldades econômicas, como ele chegou afirmar certa vez, "Nunca alguém estudou tanto sobre o capital e, no entanto, nunca me faltaram tantos recursos”. Acompanhando as inúmeras idas e vindas do casaco de Marx na casa de penhora, Stallybrass nos faz refletir sobre o conjunto de complexas relações entre as coisas como objetos de uso, como objetos aos quais imprimimos nossas marcas, como objetos que carregam nossa memória, e as coisas como mercadorias.

 O Casaco de Marx – roupas, memórias, dor
de Peter Stallybrass
Editora Autêntica. 
Tradução de Tomaz Tadeu.
O livro é composto por três ensaios, que se complementam ao ensaio que da nome ao livro, auxiliando na percepção e compreensão da problemática colocada.

No primeiro, Peter revela que a percepção da marca humana nas roupas, permeáveis à história, moldáveis ao nosso toque, é cada vez mais rara em nossa sociedade: “apesar de toda nossa crítica sobre o materialismo da vida moderna, a atenção ao material é precisamente aquilo que está ausente”.

Stallybras retoma Marx para mostrar o caráter abstrato do capitalismo. A sociedade capitalista é aquela que perdeu seu vínculo com a matéria enquanto ao mesmo tempo ilude que não. O próprio casaco de Marx é usado como forma de demonstrar esta abstração, pois vivemos em uma “sociedade de abstrações”, esta “que consome, cada vez mais, corpos humanos concretos”, enquanto a mercadoria atinge a sua forma mais pura, “esvaziada de particularidades e de seu caráter de coisa”.

Aí se associa o significado de fetichismo, fazendo uma interpretação de Marx que o problema real não seria o fetichismo, mas o fetichismo da mercadoria, ou seja, do que é invisível, imaterial e suprassensível. Como ele aponta que: “Ao atribuir a noção de fetiche à mercadoria, Marx ridicularizou uma sociedade que pensava que tinha ultrapassado a ‘mera’ adoração dos objetos, supostamente característica das religiões primitivas” para na sequência recuperar historicamente a distorção conceitual em torno do fetichismo empreendida pelos colonizadores europeus.

Pensar o próprio capitalismo a partir de um objeto pessoal de um pensador como Marx, que tão bem analisou e denunciou o caráter desigual e opressivo da sociedade capitalista, é um enorme desafio, que Stallybrass consegue com maestria levar a cabo. .

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