O fascínio brasileiro por Pepe Mujica


O ex-presidente do Uruguai José "Pepe" Mujica é hoje seguramente uma das lideranças mais populares da esquerda. Tanto por suas ações progressistas a frente do governo uruguaio quanto pela sua imagem pessoal projetada como figura ética e coerente acima da média. Talvez seja este último aspecto que nos ajude a entender a legião de fãs que Mujica angariou pelo mundo afora e no Brasil em particular.

Desde que deixou a presidência do Uruguai, sendo sucedido por Tabaré Vasquez (socialista e também integrante da Frente Ampla), o prestígio de Mujica não arrefeceu, pelo contrário. Todos os eventos em que o líder uruguaio esteve presente no país, desde então, geram grande mobilização e repercussão, consolidando a figura de Pepe Mujica como uma referência política para muitas pessoas no Brasil. A tal ponto que não seria exagero afirmar que hoje Mujica é uma das poucas pessoas com capacidade de unificar a quase totalidade da esquerda brasileira.

Esse é um feito notável, principalmente em um país como o Brasil, tradicionalmente autocentrado e com poucas referências políticas na América Latina, onde velha imagem do país de costas para seus vizinhos ainda ecoa. Em 2015 tivemos dois eventos que simbolizam um pouco deste fascínio que Mujica inspira na esquerda brasileira.


Um deles foi um encontro com estudantes na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), onde a Concha Acústica ficou completamente lotada. Mais do que a massiva presença de pessoas no local, chamou a atenção a pluralidade política presente no evento, onde havia membros de coletivos e organizações próximas ou ligadas ao PT, militantes da oposição de esquerda e progressistas dos mais diferentes espectros políticos. Algo que há muito tempo não era visto, ainda mais em um momento político nacional crítico. Não é pouco o fato de a única personalidade capaz de unir a esquerda no Brasil vir de outro país.

Outro importante momento foi a presença do ex-presidente uruguaio no 12º Congresso da CUT (CONCUT), onde discursou ao lado de Lula e da presidenta Dilma Rousseff. Antes do evento, Lula chegou a brincar que Mujica era um "sujeito perigoso" por suas ideias, o que aparentemente se confirmou, afinal, foi neste espaço, após uma longa e reservada conversa entre Dilma e Mujica, que a presidenta fez aquele que talvez tenha sido o seu mais contundente discurso neste ano. Para uma plateia de trabalhadores, formada por lideranças sindicais de todo o país, posicionou-se pela esquerda e pela primeira vez não teve meias palavras para classificar as tentativas de retira-la do mandato como golpe, onde ela afirmou: "Eu me insurjo contra o golpismo e suas ações conspiratórias e tenho consciência de que esse ataque não é contra mim, mas contra os avanços sociais, contra o povo". Infelizmente, no entanto, nos meses que se seguiram, Dilma não manteve o mesmo tom de enfrentamento pela esquerda, fora momentos episódicos, adotando na maioria das vezes posturas erráticas, que colaboraram para o prolongamento dos impasses políticos de seu governo.

Mujica, ex-guerrilheiro que passou 13 anos na prisão por sua luta contra a ditadura militar (1973-1985) e que atualmente é senador pelo Uruguai, tem representado um interessante e importante papel simbólico em uma conjuntura de crise política e de profundos impasses na esquerda brasileira. Em um contexto de tentativas de avanço de uma pauta conservadora e regressiva no Brasil, a experiência uruguaia de conseguir avançar na aprovação de uma agenda progressiva, como a legalização do aborto, da maconha e do casamento igualitário, servem como um farol, como um exemplo a ser trilhado, demonstrando que é sim possível promover mudanças neste campo político, tão negligenciado pela esquerda brasileira ao longo dos anos.

A sua postura pessoal de austeridade, que rendeu a Mujica o apelido na mídia de "o presidente mais pobre do mundo", título que sempre rejeitou afirmando que “pobres são aqueles que precisam de muito para viver”, esta retidão e ausência de deslumbramento com as riquezas materiais seguramente contribuíram muito para a sua popularidade, principalmente em um contexto onde inúmeros agentes políticos recebem denúncias de corrupção ou demonstram um avanço patrimonial notável.


As críticas ao caráter predatório do capitalismo e a necessidade de mudanças somam-se ao papel que Mujica hoje desempenha, lembrando para muitos que ser profundamente crítico ao sistema, incorporando uma dimensão anti-capitalista a luta politica cotidiana, deve ser um eixo orientador da esquerda.

Como disse Mujica recentemente no Brasil, "a única luta que se perde é a que se abandona", talvez este chamado a luta, ainda que difuso e com múltiplas formas de ser interpretado, seja o elemento mais importante desta influência de Pepe Mujica na esquerda brasileira. Lembrando a todas e todos que mesmo em momentos de profunda dificuldades, não se deve perder o sentido pelo o que lutamos, as razões que nos movem. Pois como ele nos recorda, "A liberdade é fruto da dor dos lutadores sociais que vieram antes de nós. O que se conquistou não caiu do céu. É fruto do heroísmo de gerações de lutadores sociais que nos precederam", e para termos novos avanços, não existem atalhos e caminhos fáceis. Que esta lição de Mujica oriente a esquerda brasileira em seus desafios futuros.

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