Em 22 de janeiro de
2006 tomou posse o primeiro presidente indígena da América Latina.
Evo Morales iniciava neste dia oficialmente seu mandato como
presidente da Bolívia. Carregada de simbolismo, a vitória de Evo
foi saudada ao redor do mundo como um momento de consolidação do
ciclo de crescimento das esquerdas no continente. Dez anos depois, o
que se observa na Bolívia é um processo profundamente
transformador, que explica os motivos de suas três vitórias
eleitorais consecutivas, feito inédito na história boliviana.
Um longo processo de
lutas sociais embalou a Bolívia ao longo de sua história, como a
experiência socialista da revolução de 1952, de trágico desfecho
que trouxe embargo econômico, pobreza, mas também consciência e
organização popular. Durante os anos 90, endividado e pressionado
por exigências externas e interesses empresariais, o país aderiu
aos preceitos da economia neoliberal. O resultado foi a acentuação
da pobreza e das desigualdades sociais, desigualdades estas que
tiveram como consequência uma insatisfação popular em grande
escala. Em 2000 eclode o levante conhecido como a “Guerra da Água”
em Cochabamba, seguida em 2003 pela “Guerra do Gás”, ambos
defendiam o caráter público das riquezas naturais, contra a
privatização em benefício das potências estrangeiras, estes
processos destituíram dois presidentes, mudariam a correlação de
forças boliviana e levariam Evo Morales a presidência.
Sindicalista, líder
dos cocaleiros da região de Cochabamba, elegeu-se pelo Movimiento
al Socialismo (MAS), que não é um partido no sentido stricto, mas
uma grande coalização de organizações populares de diversos
tipos, que após a chegada ao poder, soube incorporar setores de
classe média à sua hegemonia, que no passado haviam se oposto
fervorosamente ao líder cocaleiro. Politicamente, nestes dez anos
houveram erros, mas muitos destes erros foram contornados habilmente,
estabelecendo um dos processos políticos mais singulares hoje em
curso no mundo.
Desde que, em 2009,
após a reforma da Constituição, o Congresso declarou a Bolívia um
“Estado Plurinacional”, em decorrência, Morales criou o
Vice-Ministério de Descolonização para acelerar uma política de
superação das marcas negativas da colonização europeia. A
importância disto não é menor, como sintetiza o vice-presidente da
Bolívia, Álvaro García Linera, em entrevista ao diário mexicano
La Jornada em dezembro de 2012: “A descolonização é um processo
de desconstrução das estruturas institucionais, sociais, culturais
e simbólicas que submetem a ação cotidiana dos povos aos
interesses, hierarquias e narrativas impostas pelos poderes
territoriais externos. A colonialidade é uma relação de dominação
territorial que se impõe pela força e se naturaliza com o tempo,
inscrevendo a dominação nos comportamentos mais banais, nas rotinas
diárias, na maneira como os próprios povos dominados veem o mundo.
Desmontar essa maquinaria requer muito tempo: principalmente, leva
tempo modificar a dominação que se converteu em senso comum, em
hábito cultural das pessoas.”
As conquistas
políticas, sem uma base material que as sustente, teriam pouca
condição de lograrem sucesso. Neste aspecto, os indicadores desta
década de governo de Evo Morales são amplamente favoráveis. Como
exemplo, entre 2006 e 2014, a pobreza caiu de 53% a 29%, e a pobreza
extrema (que recebem menos de um dólar ao dia) foi de 38% para 17%,
com perspectiva de extingui-la até 2025. Isso foi possível graças
a nacionalização dos recursos naturais, que a partir do chamado
“boom das commodities”, permitiu ao Estado ter um ativo papel
como indutor da economia e promotor de políticas sociais.
As perspectivas do
Estado Plurinacional da Bolívia são promissoras, politicamente
ousado e com uma competente condução da economia, possui boas
perspectivas de ampliar a verdadeira revolução em curso, sua
continuidade a médio prazo parece assegurada. O projeto de construir
uma sociedade pós-capitalista, evidentemente, não depende apenas da
vontade e das ações conduzidas pela Bolívia, dependerá de outras
nações tomarem rumos opostos a ditadura do capital financeiro
nestes tempos de hegemonia neoliberal. O exemplo da Bolívia pode vir
a colaborar para que irradie seus ventos transformadores para outras
fronteiras. Não é impossível, assim como não foi impossível
todas as transformações em curso. Alguém duvida?
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