"A pior ditadura é a do Poder Judiciário; contra ela não há a quem recorrer."
Rui Barbosa
A judicialização da política no Brasil já deixou de ser uma possível ameaça contra as instituições democráticas em nosso país e avança aceleradamente para um ponto talvez irreversível. A partir desta constatação, podemos ousar indagar se não caminhamos para um perigoso caminho que elimine preceitos centrais da democracia, nos colocando em uma verdadeira e inesperada ditadura do judiciário no Brasil?
Esta ameça se baseia na percepção que está em curso um processo contínuo de sobreposição e desequilíbrio entre os poderes, passando o poder judiciário a assumir funções e prerrogativas cada vez maiores, usurpando competências que constitucionalmente não lhe pertenciam. Atuando em brechas, lacunas e paralisias momentâneas do legislativo ou do executivo, cada vez mais vemos o ativismo judicial ser quase que uma norma, deixando de ser uma excepcionalidade e conferindo-se para si um poder que não deveria ter.
A doutrina da divisão entre os três poderes do Estado, associada ao filósofo francês Montesquieu, baseada no constitucionalismo, tinha em seu espírito a noção de criar mecanismos que estruturalmente garantissem o funcionamento democrático da sociedade, idealizada no âmbito do liberalismo, ganhou vida primeiramente nos Estados Unidos ao findar do século XVIII, tornando-se, ainda que com importantes variações, o modelo praticado em quase todo o mundo. A ideia passa pelo equilíbrio entre os poderes, evitando que expedientes autoritários (inerentes ao poder, diriam alguns) prevaleçam, garantindo, minimamente o bom funcionamento de um regime político, democraticamente estabelecido, pelo mecanismo de equilíbrio mútuo entre os poderes públicos.
O desequilíbrio entre os poderes não é propriamente uma "novidade" no Brasil, pelo contrário, desde a independência nacional no século XIX e percorrendo boa parte do século XX, a democracia pode ser encarada quase como uma excepcionalidade. Por vezes exercida por civis, noutras por militares, a lógica institucional brasileira sempre esteve ameaçada por arroubos autoritários e rompimentos excludentes. Lógica autoritária formalmente encerrada com a Constituição de 1988, que esperava-se romper com o ciclo autoritário. O que é novo, na atual conjuntura, é o avanço do poder judiciário em terrenos que não lhe caberia, muitas vezes, a margem (ou nas brecha) da Constituição. Como o próprio Ministro do STF, Teori Zavascki reconheceu, uma mudança constatável no funcionamento e na lógica do judiciário está se impondo, como ele mesmo afirmou, “nosso sistema caminha a passos largos para o common law”, o que significa abandonar os preceitos legais que historicamente foram definidos para o país.
Nesta perspectiva da “supercommonização” do direito no Brasil, gera-se uma situação onde, não se debate mais o direito, mas sim que "foi decidido pelo STF, pois ele quis assim", quase como um órgão com poderes absolutos, um anacrônico poder "moderador", possibilitando não só que o judiciário amplie a força dos seus precedentes, mas que altere a própria constituição com as interpretações que queiram dar a ela, ou a que seja mais conveniente ao momento específico.
Historicamente impermeável a qualquer mecanismo de transparência e participação democrática, passa com frequência a usar como único parâmetro para algumas de suas decisões polêmicas, o expediente de estar "atendendo aos clamores da opinião pública". Opinião está aferida de forma arbitrária, ressoando apenas a linha editorial dos maiores veículos de mídia, com toda a sua parcialidade que bem conhecemos.
Este último aspecto se casa com outro fenômeno que tem andado junto que é o da politização do judiciário. A isenção esperada para a correta aplicação dos parâmetros legais, passa cada vez mais a ceder espaço por um casuísmo marcadamente enviesado, onde as "cores partidárias" são parcamente disfarçadas, passando o judiciário a ocupar um papel ativo (e indevido) na luta política nacional. Desde a adoção da tese do "domínio dos fatos" (abandonando-se, assim, a necessidade de provas), passando pelos corriqueiros "vazamentos" seletivos para a imprensa, além da espetacularização da ação judicial, temos a impressão que o judiciário passou a agir como um único corpo político, avesso ao contraditório, onde qualquer cidadão pode ser uma vítima, independente de haver cometido algum crime, bastando para isso ter relação com determinado partido que não seja o da preferência do magistrado da ocasião.
Com a recente decisão de permitir a prisão, sem haver o trânsito em julgado, somada a autorização, pelo STF, para quebra de sigilo fiscal sem autorização judicial prévia, toda a sorte de arbitrariedades passam a ser legalmente autorizadas.
Com a recente decisão de permitir a prisão, sem haver o trânsito em julgado, somada a autorização, pelo STF, para quebra de sigilo fiscal sem autorização judicial prévia, toda a sorte de arbitrariedades passam a ser legalmente autorizadas.
Sendo um poder constituído a revelia da vontade popular, não poderia sob nenhuma hipótese atuar em um campo ao qual não lhe compete. Nenhum juiz é eleito por voto democrático, mas sim, ingressam na carreira por meio de concurso público, em processos que não necessariamente atendem a demandas da sociedade, mas sim a conveniências estabelecidos entre os próprios pares.
A ausência de transparência, uma marca definidora do judiciário brasileiro, que fica mais evidente quando observamos a forma como denúncias de corrupção envolvendo membros deste poder são conduzidas e abafadas, colocam como uma verdadeira ameaça a continuidade da democracia brasileira a usurpação da vontade popular através da "ditadura dos juízes". Como Rui Barbosa, sabiamente alertava, a quem recorrer em uma ditadura do judiciário?
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