Sobre o fim da Justiça Militar



Se muitos foram os avanços democráticos que o Brasil conseguiu construir nestas últimas décadas, também são muitos os impasses e desafios que seguem sem encontrar uma resolução. No campo da justiça, seguramente, temos um longo caminho ainda inconcluso para ser trilhado. Recentemente o país recebeu o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), um marco histórico que repõe a verdade sobre fatos que oficialmente o Estado negava-se a reconhecer sua responsabilidade ou mesmo esclarecer a respeito dos crimes praticados pelo Estado durante a ditadura inaugurada em 1964.

Além de trazer luzes sobre muitos destes crimes cometidos pela ditadura, o CNV traz também uma série de recomendações que, se realizadas em conjunto, consistiriam uma das maiores reformas na área de segurança pública ocorridas na história do Brasil.  A CNV ecoa sugestões feitas anteriormente por outros organismos internacionais, e sugere alterar estruturas remanescente do período militar que nem o processo de redemocratização se propôs a realizar.

Entre as 29 recomendações do documento, oito delas são diretamente relacionadas à segurança pública: a desmilitarização da Polícia Militar; a reforma curricular nas academias de polícia; o fim dos autos de resistência; a desvinculação do Instituto Médico Legal (IML) das secretarias de segurança pública e da estrutura policial; a ampliação da Defensoria Pública; a extinção da Justiça Militar estadual; a exclusão de civis da jurisdição da Justiça Militar federal; o fim da Lei de Segurança Nacional, de 1983.

Destas recomendações, todas essenciais para consolidação do Estado Democrático de Direito no Brasil, a justiça militar mereceria uma atenção especial. Se analisarmos apenas do ponto de vista da estrutura do judiciário nacional, a justiça militar é extremamente antiquada e não condiz com o novo ordenamento jurídico brasileiro.

Importante observar a existência de peculiaridades sobre este órgão jurídico-militar. Tendo Tribunais Militares Estaduais em alguns estados (São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais), ela não julga civis mas apenas a policiais e bombeiros militares, diferente da justiça militar da União que além de julgar os militares integrantes das forças armadas, ela pode vir a julgar civis se este praticar crimes contra o patrimônio sob a administração disciplinar ou até contra militar em situação de atividade ou assemelhado, etc. Existe, neste sentido, uma margem para um elevado grau de arbitrariedade, dependendo dos "humores políticos" que estiverem em vigor.

A competência da justiça militar estadual é a de julgar os militares dos estados, nos crimes militares definidos em lei, e as ações judiciais contra os atos disciplinares militares. Ou seja, uma estrutura montada onde, as partes envolvidas são julgadas por seus próprios pares. Isto seria, de antemão, um elemento para colocar em suspeição tais órgãos.

As criticas realizadas à justiça militar não são novas, elas vem, pelo menos, desde a entrada da nova ordem jurídica de 1988. Alguns acreditam que a justiça militar, mesmo disposta na constituição federal de 1988 é inconstitucional, pois afronta princípios que regem a constituição.

Um dado que é importante observar que a justiça militar é única que tem poderes para decretar pena de morte em tempo de guerra. Flagrante retrocesso dos direito humanos e incompatível com a sociedade brasileira de hoje.

O Brasil deve acabar com os Tribunais Militares estaduais e ter a manutenção de uma Justiça Militar Federal, responsável apenas pelos efetivos das Forças Armadas.

Extinguir as justiças militares dos Estados é um imperativo imediato. Trata-se de um anacronismo inaceitável e injustificável. Serve apenas, na melhor das hipóteses, para desperdício de dinheiro público e sustentação de privilégios, tanto econômicos quanto dirigidos à impunidades de criminosos.

O estadista francês Georges Clemenceau (1841-1929), certa feita, definiu de forma lapidar o que representa a justiça militar, que se aplica perfeitamente a nossa realidade "A justiça militar está para a justiça assim como a música militar está para a música." Até quando seguiremos com esta estrutura anacrônica ainda vigente em nosso país?

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