Vivemos tempos turvos, onde é difícil vislumbrar o horizonte que se apresenta logo ali adiante. A crise brasileira tem tomado contornos de instabilidade tal, que a própria continuidade da manutenção da democracia encontra-se ameaçada. Não há aqui nenhum alarmismo demasiado, apenas a constatação de uma situação dada. Um governo fraco tem permitido que garantias constitucionais consagradas sejam violadas de tal forma, que perigosos precedentes se abrem. Erros políticos facilitaram que teses baseadas apenas em razões subjetivas ou questionáveis (para não dizer manipulados) se convertessem em fatos. Ou domínio dos fatos.
A velha tradição autoritária brasileira, pouco afeita a abertura democrática e a transparência, mal disfarçam seu descompromisso com a manutenção da democracia. Os sinais de ruptura, ou de intenção de avançar definitivamente para um ponto sem retorno, são muitos. O espetáculo midiático criado com a condução coercitiva do Lula pela Polícia Federal, seguindo determinação do juiz Sérgio Moro, é apenas a cereja, o bolo principal eles esperam servir logo ali adiante com a deposição do governo Dilma ou a prisão de Lula, seguida pela própria extinção do Partido dos Trabalhadores, como tenciona o PSDB com a ação pelo cancelamento de registro do PT na Procuradoria Eleitoral. Esses seriam os objetivos maiores para o golpismo, mesmo que não consigam todos estes objetivos, qualquer vitória parcial possibilitaria, em médio prazo, consumar uma vitória total.
Mas não terminaria por aí...
A agenda conservadora já esta dando mostras que pretende despudorar-se de qualquer limite. Sinais de que mesmo limites que nem a ditadura de 1964 ousou ultrapassar, poderiam ser violados. O somatório do mais reacionário conservadorismo com o neoliberalismo radical, estão gestando um verdadeiro monstro político, que promete desde a abertura plena e subserviente ao capital estrangeiro, vide o Pré-sal, avançando por terrenos como o fim da CLT e o caráter laico do país.
Este sonho dourado do reacionarismo, que sob o manto de uma "legalidade" forjada, desta vez sem o inconveniente simbólico dos tanques e soldados, terá todos os instrumentos necessários para perseguir e eliminar a toda a esquerda e aqueles que ousarem se colocar contrários. Mesmo sem terem alcançado a vitória plena, com a aprovação da chamada lei anti-terrorismo, já existe margem legal para perseguir e criminalizar aos movimentos sociais e ao conjunto da sociedade civil organizada. Esta brecha, por sinal, com a anuência e o apoio do governo, em um erro estratégico inaceitável.
Mas este horizonte não está predestinado, a resistência pode impedir seu sucesso. Mas terá a força necessária? Conseguirá o conjunto das vozes democráticas do país terem a compreensão e a dimensão dos impasses colocados? Reduzirão tudo a um problema circunscrito ao PT; ou ao Lula e a Dilma? Será que seguiremos com alguns ainda tendo a incompreensão que defender a continuidade do governo Dilma não significa necessariamente apoiar as políticas deste governo? Por outro lado, será que o governo seguirá dando as respostas erradas para a crise colocada?
Em meio a estas circunstâncias, não tive como não recordar de um famoso (quase) poema de Bertolt Brecht. O poema "A indiferença" é erroneamente atribuído a Bertolt Brecht, na verdade suas preciosas lições são de autoria de Martin Niemöller, um pastor luterano alemão que se notabilizou pela resistência ao nazismo dentro da Alemanha. Niemöller fez uma adaptação de um célebre poema de Vladimir Maiakovski “E Não Sobrou Ninguém”, tratando sobre o significado da ascensão do nazismo na Alemanha, evidenciando o seu lento processo persecutório, até garantir forças plenas o suficiente para impor o seu regime totalitário. Que essas antigas e assustadoramente atuais reflexões sirvam de alerta para aqueles que acreditam que este não é um problema que lhes diz respeito.
A indiferença
Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista.
Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata.
Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista.
Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu.
Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse
A hora é de resistência, mesmo com todas as adversidades postas. Sem outros meios, com boa parte do comando das instituições judiciais diretamente associadas a agenda do golpe, somente as ruas e as redes são nossas trincheiras de resistência. Defender o que nos resta de uma democracia já limitada é a primeira de todas as tarefas, o preço de uma derrota será amargo e de longa duração. Vamos a luta!
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