Golpe perde fôlego, mas golpismo segue vivo



Na vertigem destes dias de nossa agitada política nacional, o processo que pretendia-se irrefreável para aplicar o "golpe final" e eliminar em um lance de força a presidenta Dilma do poder, parece ter perdido fôlego. A conspirata envolvendo o vice-presidente Michel Temer, o presidente da Câmara Eduardo Cunha e outros caciques do PMDB, em seu ato de anunciar o "rompimento do partido com o governo" e criar um fato capaz de dar o golpe final para derrubar Dilma, acabou não surtindo o efeito esperado. Mais do que isso, simbolizou justamente o ponto de virada em favor da resistência ao impeachment. Mas o golpismo segue vivo...

A "debandada" dos pemedebistas no governo, desejada pela cúpula partidária, acabou não se confirmando, tendo a quase totalidade dos ministros do partido já anunciado publicamente o desejo de permanecer no governo e apoiar a presidenta Dilma. O outro cálculo feito por eles seria que outros partidos que hoje compõem o governo seguiriam o mesmo passo e engrossariam as fileiras da oposição. Ocorreu justamente o inverso, com diversos parlamentares e partidos anunciando intensões de ocuparem os cargos abertos com a saída do PMDB do governo, conformando assim, um "centrão" que garantiria a manutenção do mandato da Dilma no congresso e, posteriormente, aumentando as condições de governabilidade, hoje interditada pelo impasse colocado.

As trapalhadas de Temer e Cunha, afoitos por tomar de assalto o poder, fruto desta precipitação, acabaram por inviabilizar, talvez de forma definitiva a "alternativa Temer" como solução para a crise política. Para além dos erros de articulação política, outro fato que contribui para enterrar esta alternativa, foi a ampla difusão na sociedade da sensação de que toda esta manobra visava, por fim, "salvar a pele" da imensa lista de políticos acusados de corrupção, ligados ao PMDB e aos demais partidos que integram o bloco pró-impeachment. A noção de que a Lava Jato, após a queda de Dilma, poderia ser paulatinamente enfraquecida e abafada, passou a povoar conversas e opiniões por todo o Brasil, retirando ainda mais legitimidade de uma solução já pouco (ou nada) legítima.

Manifestação contra o golpe e em defesa da democracia em São Paulo

As imensas massas de pessoas que foram as ruas no dia 31 de março protestar contra o Golpe e em defesa da democracia, foram uma importante demonstração de força que desanimou muitos entusiastas do golpe. Mais do que o número considerável de pessoas nas ruas, chamou a atenção a ampliação e pluralidade política presente nas ruas. Não esteve apenas os setores políticos ligados diretamente ao governo Dilma ou ao PT. Partidos e militantes da oposição ao governo também foram as ruas, tendo por objetivo maior a resistência em defesa da democracia.

Tivemos também sinais de perda de fôlego de outros dois fronts principais do golpismo: mídia e judiciário. Os recuos forçados do juiz Sérgio Moro, tendo o STF assumido posições preliminares de defesa da normalidade jurídica, num primeiro momento, forçaram Moro a enviar um maroto pedido de desculpas aos ministros do supremo pelo vazamento dos áudios da presidenta Dilma e de Lula para a imprensa. A sua tentativa, através de mais uma nova fase da Lava Jato, de requentar o caso do assassinato do petista Celso Daniel e criar um novo fato político contra o PT e o governo, talvez seja um sinal que o repertório de Moro pode estar chegando ao fim.

A mídia, por sua vez, passou o último período, principalmente a Rede Globo, tentando convencer a sociedade que "Impeachment não é golpe". Esta atitude, claramente defensiva, demonstra que a ideia do impeachment da Dilma, nas condições em que está colocada, sem que pese contra ela nenhuma acusação criminal, tem abalado profundamente a credibilidade deste caminho. Mais do que isso, a ação do PMDB em romper com o governo, lembrou, para muitos desavisados, que se a Dilma cair, quem assume é o Temer, e não o Aécio.

Outro fato emblemático foi o editorial da Folha de SP do dia 02 de abril, intitulado "Nem Dilma, nem Temer", além de reafirmar sua disposição em seguir apostando na deposição da presidenta eleita por motivos políticos, demonstrou que percebem o beco sem saída da agenda golpista posta pela hipótese de Temer virar presidente. A alternativa de apostar numa queda de toda a chapa e a chamada de novas eleições não apresenta condições políticas de se sustentar. Principalmente devido a questão central seguir sem resposta: elegeria-se uma nova presidência mantendo-se este mesmo congresso presidido pelo Cunha? Quais seriam as condições de governabilidade, de qualquer governo eleito por esta via excepcional, mantendo-se a atual composição do legislativo e o quadro de polarização na sociedade? Lembrando ainda que, se a ideia é "limpar a corrupção", como justificar a manutenção de um parlamento onde a maioria encontra-se envolto em alguma investigação de corrupção? Talvez percebam que a saída por caminhos "mágicos" não está posta...

A noção que o impeachment da Dilma é golpe ganhou força na sociedade, mas não se pode menosprezar a força que o movimento pelo impeachment segue ainda mantendo. A disputa na sociedade segue em aberto. Mais do que isso, o "comitê do Golpe", profundamente dividido, sem uma direção e liderança política única, encontra-se no impasse de não haver uma unidade de estratégia para o quê fazer após uma vitória do "Fora Dilma". Esta condição fragmentária, no entanto, pode eventualmente ser resolvida e uma unidade, ainda que efêmera, pode se forjar. Assim como os ataques a manutenção da democracia foram profundos e suas consequências ainda estão longe de se esgotarem.

Com o golpismo seguindo vivo, a resistência democrática terá que seguir forte e ampliar, converter-se um um movimento de massas de incontornável força social, caso o contrário, a manutenção da democracia brasileira poderá de fato ser suprimida.

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