Mujica e a crise brasileira: 'É tempo de lutar, não de encontrar em quem colocar a culpa'

Foto: Midia Ninja

Em São Paulo, o ex-presidente e senador do Uruguai José 'Pepe' Mujica conversou por quase duas horas na manhã desta quarta-feira (27/04) com jornalistas da imprensa independente brasileira em São Paulo, abordando temas como a crise política brasileira, a integração regional e o papel da esquerda nas disputas sociais atuais.

Para Mujica, a situação atual do Brasil, que se relaciona à crise da esquerda e ao avanço da direita na região, deve forjar a união entre as forças progressistas. “Agora é tempo de lutar e não de encontrar em quem colocar a culpa. As organizações de esquerda se destroem. Há que fazer autocrítica, mas à distância no tempo, não no quente da situação. Agora é preciso lutar”.


Sobre a corrupção — argumento utilizado para justificar a retirada do PT do poder através do impeachment da presidente Dilma Rousseff — não diz respeito a um único partido, mas “é um problema tão velho quanto o Brasil”.

"Não sei como administrar um país com tantos partidos", afirmou em referência ao sistema político brasileiro, que conta com 35 legendas atualmente. "Isso é mais uma questão de interesses pessoais, do que de causas ideológicas. E aí se tem a questão de como gestar uma maioria. (…) Ter que tecer alianças para ter maioria é perverso, porque será essa uma maioria ideológica? Não. Acho que algum dia vocês vão mudar isso. É preciso mudar o contrato social”.

Ainda com relação ao processo de impeachment contra a presidente brasileira, o líder ressaltou ser “paradoxal” que Dilma seja julgada por "um montão de gente" contra quem há acusações e investigações. E observou que a votação da admissibilidade do impeachment na Câmara dos Deputados “não deveria ter sido transmitida mundialmente. Isso fez mal ao Brasil como nação, ao seu prestígio. Baixaram a consideração do Brasil no mundo. Se tivessem votado sem falar nada, teria sido mais saudável”.

Apesar de ser crítico da fragmentação da esquerda, Mujica considera que "os partidos progressistas devem aprofundar a democracia". "Partidos são insubstituíveis, mas têm defeitos porque os homens têm defeitos. A história é feita por correntes e não por indivíduos fenomenais", disse ao ressaltar que os meios de comunicação tendem a inventar o tal indivíduo fenomenal, tal como ocorreu na Guatemala recentemente, onde o ator e comediante Jimmy Morales foi eleito presidente em sua primeira investida política após intensos protestos contra a corrupção perpetrada pelos políticos tradicionais.

“A direita tem utilizado, com muitos benefícios, os nossos erros. Aproveitou um momento em que a conjuntura econômica estava a favor para gerar inconformismo”, observou o ex-presidente uruguaio, ressaltando que isso foi feito com a ajuda dos meios de comunicação. “Forças conspirativas? Quando as formas da direita conspirativa dão resultado é porque há fatores a favor deles”, afirmou.


Nesse sentido, o ex-presidente lembrou que a crise econômica teve um impacto muito forte entre a população. “Temos um crescimento muito lento da economia do mundo. Penso que é um transbordamento do capital financeiro, que está condenando o capital produtivo”, afirmou.

Otimista, Mujica acredita que "isso [a crise da esquerda] vai passar". "Sempre que chove, para. É preciso ter coragem de recomeçar, aprender com os erros e perseverar. Os únicos derrotados são os que desistem, por isso é preciso ter coragem, porque o triunfo é relativo", observou. Ex-guerrilheiro, Mujica passou muitos anos na prisão, e lembrou sua experiência para provar seu ponto: “Em matéria de derrota, por favor. Fiquei quase 14 anos preso, não me digam o que é derrota”.

Direitos sociais

Questionado a respeito das ameaças às leis trabalhistas diante do avanço da direita na região, Mujica observou que essa questão sempre aparece em momentos de crise, porque quando “há crise, a direta e as empresas se assustam pelo gasto do Estado. Então dizem ser preciso cortar gastos, conter a inflação”.

Diante dessas ameaças, os trabalhadores “não deveriam se atomizar ou romper e sim ter uma frente comum para ter capacidade de resistir e a maior capacidade de resistir dos trabalhadores é quando estão juntos. Então é preciso ter interesse de defender as conquistas trabalhistas em um momento em que o avanço da direita vai tentar fazer cortes”.

Por outro lado, observa Mujica, “a classe média, que parece ter emergido pela graça do Espírito Santo, não se dá conta de que isso ocorreu por obra da política de redistribuição social”. "Não esperem gratidão da história", alerta o ex-líder Tupamaru. "Está bem que as pessoas vivam melhor, ainda que não nos agradeçam. Não fizemos isso para que nos beijem as mãos, mas porque tínhamos que fazer".

Imprensa

Muito celebrada no Brasil, a chamada Lei de Meios no Uruguai, que objetiva a democratização dos meios de comunicação, foi sancionada pelo Congresso uruguaio em 2014, mas, este ano, a Justiça do país declarou alguns artigos da lei como inconstitucionais. Para Mujica, tal processo se entende por meio da problemática das classes sociais e da concentração de riquezas.

“As empresas de comunicação vivem da venda de seus produtos. Quem são os grandes clientes? Obviamente não são de esquerda. Não temos que nos impressionar que os meios estejam voltados para a direita, é uma consequência”, observou. Sobre o avanço da lei, pontuou ser necessário “encontrar caminhos alternativos” e ressaltou a importância da união e do fortalecimento dos pequenos meios de comunicação.

"O triunfo é o caminhar"

“Para viver é preciso ter horizonte, uma estrela, um rumo. A grande causa dos americanos é a integração para ser alguém em um mundo cada vez mais poderoso", disse Mujica sobre a integração entre os cidadãos do continente. "A vantagem da integração é o desenvolvimento, juntar o conhecimento".

"Nunca triunfamos totalmente na vida, o verdadeiro triunfo é o caminhar", filosofou o ex-presidente uruguaio. "Não há um prêmio no final da vida, o prêmio é a vida, viver com causa, com sentimento e que se tenha a coragem de viver a aventura."

*Com informações do Opera Mundi e Barão de Itararé


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