O impeachment que não quer ser golpe ou Em busca da legitimidade perdida



Suprimir a democracia sempre provoca um grande desgaste para aqueles que promovem ou apoiam atos ilegítimos de ruptura democrática. A necessidade de legitimação social é indispensável para qualquer regime ou governo moderno que busque alguma continuidade, por isso a necessidade de não assumir abertamente a autoria de expedientes golpistas.

O processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff é um caso onde esta ausência de legitimidade é tão flagrante, que muitos dos conspiradores tentam, de todas as formas, produzir uma retórica que cubra com "tintas constitucionais" a legitimidade política perdida. Esta legitimidade ausente no impeachment e a difusão da percepção que a democracia brasileira, como um todo, encontra-se em sério risco, tem muitas razões, a mais evidente delas é o fato do processo estar sendo conduzido pelo deputado Eduardo Cunha. Notório corrupto, nunca disfarçou suas motivações em levar a cabo o processo contra presidenta, a despeito da inexistência de acusações de crimes contra Dilma.



A vitória de um impeachment com as digitais de Cunha sofre de um vício de origem difícil de maquiar. Uma presidenta que sequer é investigada sendo derrubada por um presidente da Câmara cuja lista de denúncias, caso comprovadas, o coloca como um dos maiores corruptos da história recente da política brasileira, colocaram o "bode na sala". Obrigaram os partidos, veículos de comunicação (Globo, Folha de SP, Estadão, etc.) e demais lideranças golpistas a construir uma campanha para tentar convencer a população que "impeachment não é golpe" e que a democracia não está em risco, muito antes pelo contrário. O editorial do jornal Zero Hora, do dia 13/04/16, com o título "A democracia não está ameaçada" é um bom exemplo deste empreendimento. Até agora, no entanto, estes esforços por legitimar o golpe é longe de ser bem sucedido.

A amplitude da ameaça de ruptura democrática não se restringe a destituição de Dilma. A supressão de direitos e liberdades democráticas já é uma situação colocada, ainda que de forma opaca, dificultando sua percepção para parcelas mais amplas. A derrocada da via política por ação de um congresso corrupto, pode propiciar as condições ideias para que uma verdadeira ditadura do judiciário se instale no país. (veja mais aqui.) Esta é uma possibilidade real colocada, mas longe de estar plenamente constituída, havendo ainda margem para frear esta via.

O espaço para uma resistência cidadã é considerável e poderá ter força para a manutenção dos mecanismos democráticos existentes. O momento é de resistência, a necessária ampliação da nossa combalida democracia encontra-se momentaneamente impossibilitada, fora da agenda política por uma correlação de forças instável e ainda desfavorável.

Voltando ao esforço de busca da legitimidade perdida, o golpismo de 2016 lembra, neste aspecto, o golpismo de 1964. Mesmo que o verde-oliva das fardas militares torna-se a fachada democrática completamente farsesca, beirando ao ridículo, a busca por legitimar a ditadura, através de eufemismos como "revolução democrática" era corrente. Para garantir alguma legitimidade, não bastava a censura e a repressão. Tinha-se que criar todo um falso arranjo institucional que vende-se a imagem de uma ideia democrática. A manutenção de um parlamento, ainda que restrito aos partidos permitidos pela ditadura e sem poderes, foi um dos meios utilizados. Outro instrumento importante para angariar apoio popular foi o amplo uso dos meios de comunicação. Coincidência, ou não, os mesmos veículos de comunicação que naquela oportunidade faziam a defesa mais entusiasmada do regime militar, são os mesmos que agora fazem campanha aberta (ou mal disfarçada) pela saída de Dilma da presidência. O pouco apreço pela democracia, presente em 1964, permanece irredutível, com os mesmos atores e setores envolvidos na grande mídia.

Impeachment contra a presidenta Dilma é golpe. Essa verdade inconveniente, por mais que se tente negá-la, não mudará seu real sentido. Retirar do poder um governante, sem crime algum contra ele, por obra de um arranjo de forças políticas, não encontra legitimidade concreta. Lutar contra fatos desta natureza é sempre uma batalha perdida para aqueles que buscam na manipulação o seu refúgio.

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