Em dois atos, Romero Jucá e Gilmar Mendes desenham para todos: é golpe!















A conturbada crise política brasileira ganhou novos fatos que modificam sensivelmente o curso do seu já incerto desfecho. Os vazamentos de áudios envolvendo caciques do PMDB escancaram as articulações e os agentes diretamente envolvidos na conspiração para destituir a presidenta Dilma Rousseff do posto.

Sem dúvida, o áudio tornado público do senador do PMDB e "homem forte" de Temer, Romero Jucá, com o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, ambos investigados por corrupção na Lava Jato, é o mais revelador e contundente que venho à público até o momento. Como magistralmente sintetizou o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, imediatamente após o vazamento: "Basicamente, se você é um dos que disse ou acreditou que não há golpe no Brasil, seus argumentos foram instantaneamente destruídos hoje."

Jucá expôs toda uma série de articulações envolvendo um conjunto de forças políticas e agentes públicos, explicitando que um dos objetivos imediatos da aprovação do impeachment da presidenta Dilma seria o de salvar o pescoço dos próprios parlamentares pró-impeachment. O consórcio de parlamentares foi cimentado com essa premissa: tirar a Dilma como forma de frear a Lava Jato, dando a este ato a ideia de um "grande pacto nacional" entorno de um governo Michel Temer, onde o próprio poder judiciário teria sua parte, e segundo Jucá, este acordo já estaria estabelecido com o Supremo Tribunal Federal (STF).
  
Além desta afirmação de um apoio dentro do STF para o golpe e a promoção do "pacto", foram muitas as questões levantadas a partir dos áudios de Jucá. Confirmou o protagonismo do deputado Eduardo Cunha dentro do PMDB, sendo ele a figura que realmente "dá as cartas"; que Temer é refém de Cunha; levantou o envolvimento da mídia; os esquemas de corrupção do PSDB e Aécio Neves; afirmou haver o envolvimento de membros da Forças Armadas, entre outras tantas questões.

Por muito menos do que Romero Jucá falou, o então senador Delcídio do Amaral, foi preso e teve seu mandato cassado. O que acontecerá agora?

Os primeiros indícios foram dados já no dia seguinte ao vazamento do áudio de Jucá. Gilmar Mendes, ministro do STF, saiu em defesa do ex-ministro do Planejamento de Temer, e disse que não viu tentativa em obstruir a Operação Lava Jato nas declarações reveladas. Não chegou a surpreender o teor da suas posições. Gilmar Mendes deu sua esperada declaração minimizando o vazamento de Jucá. O que causa ainda algum espanto é o silêncio e a falta de ação dos demais membros do STF. O  silêncio dos ministros faz crer que compartilham a mesma opinião de Mendes.

Gilmar Mendes em reunião com Eduardo Cunha.
Uma aproximação pragmática por objetivos políticos comuns.
A atuação do ministro Gilmar Mendes é um capitulo aparte. Reiteradas vezes emite declarações que em muito extrapolam os ritos inerentes a seu cargo institucional, age muito mais como um agente político, com um lado claramente definido, sem procurar nem ao menos simular uma aparência de neutralidade, ainda que falsa, como muitos de seus pares reconhecidamente o fazem. Não bastasse sua truculência verbal em seus ataques contra o PT, a ausência de qualquer manifestação que reprove esta conduta por parte dos demais membros da Suprema Corte, indiretamente o legitimam em suas práticas anti-republicanas. Justiça seja feita, o único que teve a coragem de enfrentá-lo publicamente foi o ex-ministro Joaquim Barbosa. Confesso que as vezes desconfio que o grande poder que Mendes goza dentro do STF possa ter colaborado para Barbosa antecipar sua aposentadoria, mas isso, no momento, é apenas especulação...

Se no âmbito político-parlamentar, o vazamento do áudio do Jucá foi um ato revelador da real natureza do impeachment, deixando clara sua condição de golpe, neste mesmo fatídico 23 de maio, houve um outro acontecimento revelador da situação de avanço da ruptura das aparências democráticas do golpe: Gilmar Mendes comandará a turma do STF que avalia recursos da Lava Jato. Já se sabe, com este anúncio, que as seletividades muitas vezes demonstradas nas investigações da Lava Jato irão se reproduzir e acentuar na esfera do STF.

É de fácil previsão que todo e qualquer recurso envolvendo algum petista será negado e o de seus aliados serão facilitados. A isonomia e a isenção do STF serão ainda mais abaladas, talvez à um ponto de "não retorno". Para não deixar dúvidas, tomemos como exemplo as decisões recentes de Gilmar Mendes em mandar de volta à PGR dois pedidos de inquérito contra Aécio.

A conjuntura política, após estes acontecimentos, e por muitos que ainda virão, tendem a provocar novos deslocamentos de forças políticas e sociais, confirmando uma tendência de fragilização da sustentação dos atuais usurpadores da presidência. As chances de Dilma voltar ao governo, ainda que frágeis, como já havíamos comentado, tornam-se uma possibilidade colocada. O crescimento da insatisfação popular e das mobilizações sociais serão os fatores decisivos.

A insatisfação já é elevada, um dado que materializa isto, por exemplo, foi a pesquisa realizada pelo Ibope na primeira semana de governo interino, apontando que quase dois terços da população, ou 63%, afirmam que deputados e senadores atuaram em seu próprio benefício ou de partidos e instituições privadas no impeachment, além disso, 70% dos entrevistados não acreditam em país mais honesto após o golpe.

A ilegitimidade do processo de impeachment contra a Dilma, que já era considerável, após estes últimos acontecimentos protagonizados por Romero Jucá e Gilmar Mendes, praticamente desenham para todos e todas, em letras garrafais: é golpe!

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