A América Latina coleciona em sua história um número incontável de figuras marcantes e emblemáticas das lutas sociais no continente. Em sua história, desde que esta região do planeta foi assaltada pela empresa do colonialismo europeu; passando pelos processos de independência e de formação de sua identidade; chegando a resistência ao imperialismo contemporâneo e sua permanente busca, por vezes errática, de caminhos autônomos; não faltaram na América Latina, em todos estes períodos, figuras que de alguma forma simbolizaram aspirações, lutas e transformações. Rebeldes que em seus tempos tornaram-se figuras populares, simbolicamente inspiradoras, que ao lado de personagens anônimos e "esquecidos" pela grande narrativa historiográfica, produziram significativas transformações sociais.
A Revolução Mexicana é um dos ricos momentos da história latino-americana, a primeira revolução social do século XX, onde Pancho Villa emerge como um de seus personagens mais marcantes e lembrados pelo povo mexicano. Uma memória viva, carregada de significados variados e até mesmo contraditórios entre si, que reforçam e evidenciam a importância e atualidade da experiência da Revolução Mexicana.
O México no início do século XX era uma sociedade em profunda transformação e ebulição social, sob o julgo da longa ditadura de Porfírio Dias, que governou o país por mais de três décadas. O descompasso entre a sociedade e suas estruturas governamentais era flagrante. A sociedade mexicana era uma sociedade jovem governada por um punhado de anciãos. As revoltas camponesas por acesso a terra e as greves operárias por condições dignas de trabalho eram intensas.
Francisco Madero, em fins de 1910, reuniu condições para arregimentar uma ampla frente com as mais diversas forças de oposição a ditadura do porfiriato, dando inicio a Revolução Mexicana. Entre os recrutados estava Pancho Villa, pseudônimo de José Doroteo Arango, homem famoso na região de Dourado e Chihuahua, pelo seu passado de ladrão de gado e assaltante de bancos, figura muito popular entre os camponeses, que o admiravam como uma espécie de Robin Hood para aquelas comunidades.
Após explodir a Revolução contra Porfírio Díaz e depois da batalha de Cidade Juarez, vencida pelas forças revolucionárias de Pancho Villa e da fuga do ditador, em 25 de Maio de 1911, Madero tornou-se Presidente da República através das eleições de 1° de Outubro daquele ano.
A liderança de Villa seguiu fortalecendo-se, mantendo-se ao lado dos camponeses com a crise do governo Madero, alimentada pela insatisfação das demandas sociais não serem atendidas, o que se traduziu na intensificação das revoltas contra os latifúndios e ações de combate armado direto. Francisco Madero, buscando um reformismo impossível naquele momento, não apoiou a ação campesina e protegeu os grandes proprietários de terra. Sem apoio popular e contando com resistência dentro das elites econômicas e militares, precipitariam o fim trágico do governo de Madero, assassinado por ordem do comandante do Exército Victoriano Huerta.
Victoriano Huerta tentou impor uma nova ditadura no México que encontrou uma formidável resistência popular. Pancho Villa seria uma das principais lideranças da resistência armada contra Huerta.
A imagem que se construiu de Pancho Villa é bastante significativa de um imaginário próprio das formas que a resistência popular pode assumir, fugindo de certos esteriótipos idealizados do mito do herói nacional. O escritor Carlos Fuentes, em seu O riso de Pancho Villa, que serviu de livre inspiração para o título deste artigo, traz uma boa descrição da figura icônica do revolucionário mexicano:
"Pancho Villa fez sua entrada em Camargo numa manhã de primavera, com a cabeça cor de cobre oxidado coberta por um grande sombreiro bordado a ouro; não um objeto de luxo, mas um instrumento de poder, símbolo de combate, um chapéu sujo de poeira e sangue, assim como suas grandes mãos calejadas e seus estribos de bronze açoitados pelo vento da montanha: a pátina de pó, espinhos e pedra, vestígios dos caminhos íngremes e vastas planícies, colava em seu traje bege de cavaleiro, nas perneiras de camurça, na vara de aço, nas pomposas esporas, no colete e na calça enfeitados com botões de ouro e prata; todo brilhante de ouro e prata, porém carregando esses metais não como bens entesouráveis, mas como paramentos vestidos para a guerra e para a morte: um traje de luz.
Era um homem do Norte, grande e robusto, com um torso mais longo que as curtas pernas de índio, mas dotado de longos braços e mãos potentes, com aquela cabeça que parecia ter sido há muito tempo enxertada no corpo de outro homem; há muito tempo e em algum lugar muito longe, uma cabeça decepada, uma cabeça do passado, presa como um capacete de metal precioso em um corpo mortal, útil e inútil, do presente. Olhos orientais, sorridentes e cruéis, rodeados por uma rede de rugas divertidas, sorriso fácil, dentes reluzentes como grãos de um milho muito branco, bigode raspado e barba de três dias: uma cabeça que tinha passado pela Mongólia, Andaluzia e Rif, entre as tribos da América do Norte e agora aqui, em Camargo, em Chiuaua, uma cabeça sorridente, cujas pálpebras batiam espremendo os olhos sob a ofensiva da luz, com vastas reservas de intuição, ferocidade e generosidade. A cabeça tinha vindo descansar nos ombros de Pancho Villa.
Os proprietários de terras fugiram e os usurários se esconderam. Villa ria enquanto passeava seu cavalo castanho pelas ruas pavimentadas de Camargo, onde sua coluna central da divisão do Norte ia juntar-se às dos outros generais antes do ataque a Zacatecas, entreposto comercial das haciendas devastadas, que ele saqueou para libertar o povo da escravidão, da usura e dos bancos postais. Ele entrou na cidade com os cascos batendo no calçamento, arrastando atrás de si um cortejo de sons metálicos que contrastava estranhamente com o som oco das ruas de pedra: ruído dos freios de ferro, das correntes, cabrestos e freios de cobre; estalo dos chicotes na crina dos cavalos, das esporas e açoites."
Pancho Villa seguramente não figura entre os personagens politicamente mais definidos e posicionados a respeito de um ideal de sociedade ou de um projeto político, se compararmos, por exemplo, com Emiliano Zapata, outra liderança popular da Revolução Mexicana. Mesmo com suas contradições, Villa era genuinamente uma liderança com um arraigado vínculo popular e um forte espírito anti-imperialista. O sorriso de Pancho Villa gerava incômodos intoleráveis.
É sabido por todos que os EUA apreciam pouco as revoltas populares. Quando os mexicanos começaram a impôr uma transformação social democrática, Washington não tardou a intervir. Ocupação de Veracruz, incursão no norte, apoio aos contrarrevolucionários foram alguns dos expedientes utilizados.
Após a queda da breve ditadura de Huerta, Venustiano Carranza, líder do chamado Exército Constitucionalista, assumiria a presidência com uma plataforma liberal de reformas. Villa, assim como Zapata, entendiam que Carranza deveria promover mudanças sociais profundas, o que levaria ao cisma irreconciliável e a um enfrentamento aberto. No ano de 1915, os EUA deram seu apoio a Carranza. Como resposta, Villa teve a ousadia de matar dezesseis cidadãos norte-americanos no México e nos Estados Unidos, um grande assalto contra Columbus, uma pequena cidade no Novo México. Com este ato, Villa foi o primeiro mexicano em toda a história a invadir os Estados Unidos. A resposta não tardou e o presidente Wilson ordenou o ataque de soldados americanos, que invadiram o México em 1916. Pancho Villa tornava-se o primeiro inimigo dos EUA a ser caçado implacavelmente no exterior.
Após uma busca que chegou a mobilizar mais de 10 mil soldados, fortemente armados, com aviões e veículos de combate, e um saldo de muitas mortes e destruição em solo mexicano, em 1917 encerraram sua infrutífera ação militar de quase um ano, sem jamais conseguirem achar Villa. Sua imagem de herói popular se consolidaria, como o grande vingador das tantas derrotas passadas dos mexicanos frente aos poderosos "gringos", um símbolo da resistência nacional, alguém que ninguém conseguira deter, quase uma lenda popular.
O assassinato de Emiliano Zapata em 1919 era o início do capítulo final para o desmembramento e desarticulação das revoltas subalternas no processo revolucionário mexicano. Após Álvaro Obregón chegar a presidência em 1920, Villa assinaria um acordo de paz e baixaria as armas, se retirando para a fazenda de Canutillo, em Durango, que lhe havia sido concedido pelo governo como reconhecimento pelos serviços prestados à revolução.
Após Obregón consolidar sua posição de poder, alguns planos para livrar-se de Pancho Villa foram tolerados ou abertamente promovidos pelo governo. Villa seria sempre um fantasma que deveria ser extirpado. Quando uma nova crise armada entre as elites militares eclode e ante o temor de que Francisco Villa novamente levantasse em armas durante a Rebelião delahuertista, é tomada a decisão de matá-lo. Através de uma emboscada organizada pela polícia secreta do governo e por pistoleiros a soldo de familiares de antigas vítimas de Villa, foi assassinado a tiros o famoso general revolucionário. Foi na tarde do dia 20 de julho de 1923, quando Pancho Villa era assassinado em seu automóvel, atingido por 47 balas de pistola quando se dirigia a uma festa familiar. O sorriso de Pancho Villa encerrava-se, restando viva apenas a sua memória.
Após a queda da breve ditadura de Huerta, Venustiano Carranza, líder do chamado Exército Constitucionalista, assumiria a presidência com uma plataforma liberal de reformas. Villa, assim como Zapata, entendiam que Carranza deveria promover mudanças sociais profundas, o que levaria ao cisma irreconciliável e a um enfrentamento aberto. No ano de 1915, os EUA deram seu apoio a Carranza. Como resposta, Villa teve a ousadia de matar dezesseis cidadãos norte-americanos no México e nos Estados Unidos, um grande assalto contra Columbus, uma pequena cidade no Novo México. Com este ato, Villa foi o primeiro mexicano em toda a história a invadir os Estados Unidos. A resposta não tardou e o presidente Wilson ordenou o ataque de soldados americanos, que invadiram o México em 1916. Pancho Villa tornava-se o primeiro inimigo dos EUA a ser caçado implacavelmente no exterior.
Após uma busca que chegou a mobilizar mais de 10 mil soldados, fortemente armados, com aviões e veículos de combate, e um saldo de muitas mortes e destruição em solo mexicano, em 1917 encerraram sua infrutífera ação militar de quase um ano, sem jamais conseguirem achar Villa. Sua imagem de herói popular se consolidaria, como o grande vingador das tantas derrotas passadas dos mexicanos frente aos poderosos "gringos", um símbolo da resistência nacional, alguém que ninguém conseguira deter, quase uma lenda popular.
O assassinato de Emiliano Zapata em 1919 era o início do capítulo final para o desmembramento e desarticulação das revoltas subalternas no processo revolucionário mexicano. Após Álvaro Obregón chegar a presidência em 1920, Villa assinaria um acordo de paz e baixaria as armas, se retirando para a fazenda de Canutillo, em Durango, que lhe havia sido concedido pelo governo como reconhecimento pelos serviços prestados à revolução.
Após Obregón consolidar sua posição de poder, alguns planos para livrar-se de Pancho Villa foram tolerados ou abertamente promovidos pelo governo. Villa seria sempre um fantasma que deveria ser extirpado. Quando uma nova crise armada entre as elites militares eclode e ante o temor de que Francisco Villa novamente levantasse em armas durante a Rebelião delahuertista, é tomada a decisão de matá-lo. Através de uma emboscada organizada pela polícia secreta do governo e por pistoleiros a soldo de familiares de antigas vítimas de Villa, foi assassinado a tiros o famoso general revolucionário. Foi na tarde do dia 20 de julho de 1923, quando Pancho Villa era assassinado em seu automóvel, atingido por 47 balas de pistola quando se dirigia a uma festa familiar. O sorriso de Pancho Villa encerrava-se, restando viva apenas a sua memória.
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