Crise política no Brasil: direita pede impedimento; esquerda abdicação. Quem aproveita?


A crise chegou a um estágio um tanto quanto inusitado: tanto a direita quanto boa parte da esquerda convergem para a defesa da impossibilidade da presidenta Dilma Rousseff concluir o seu mandato. A direita pelo já conhecido expediente do impedimento; a esquerda  pela via da abdicação do mandato para possibilitar a convocação de novas eleições. Com escassas chances de prosperar, a proposta que muitos setores da esquerda passaram a adotar ainda não deu sinais algum de funcionar como a "solução mágica" que seus proponentes esperavam como forma de reverter o golpe.

Neste debate, uma questão surge ainda sem resposta: a quem aproveitará esta solução?


Nesta direção, uma visão crítica desta virada de posição que parte da esquerda está adotando nos é trazida por Wanderley Guilherme dos Santos em um pertinente artigo que expõe algumas questões que seguem sem respostas pelos defensores das propostas de plebiscito ou novas eleições. Uma das maiores questões, que causa estranheza é: como que abdicar da legitimidade conferida por 54 milhões de votos para Dilma em 2014 irá recuperar a legitimidade da própria democracia brasileira, hoje profundamente abalada?

Abaixo segue a íntegra do artigo Wanderley Guilherme dos Santos.


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Compram-se riscos de desfecho popularmente ruinoso quando o pessoal do setor de serviços, dispondo de meios de propaganda, parece capturar a liderança ideológica do setor secundário. Por razões estritamente de mercado de trabalho e de renda, variável em limites toleráveis, os radicais da palavra ousam apostas estratégicas, capazes que são de absorver eventuais custos do fracasso. A turma do trabalho pesado, contudo, expõe-se a custos absolutos, a saber, perda de cem por cento da renda. Há uma disparidade de custos, visível na frívola radicalidade dos repassadores de ideologia, e o cauteloso cálculo da liderança operária. O ímpeto da crônica intelectualizada alimenta-se com o sucesso de audiência, integrada por múltiplos de si próprios. Não há assembleias de analistas similares às grandes convocações sindicais. À falta de controle crítico das propostas de ação, os generais do radicalismo competem pelo aplauso inorgânico dos apaixonados, mas com renda garantida. A população da internet tem ralo compromisso com o destino das propostas, aplauso ou vaia. Nada se segue, como recompensa,  além de mais aplauso ou vaia.

Surpreendentes fórmulas para substituição do poder em exercício negligenciam o detalhe de que continua em exercício um poder detém razoável capacidade bélica. No mínimo, por tempo suficiente para infligir custos irreparáveis a parte da tropa assalariada se esta, persuadida pela promessa de vitória consagradora, entregar-se a celebração antecipada. Pois a Central Única de Trabalhadores sucumbiu à pressão dos alquimistas institucionais, apoiando que Dilma Rousseff prometa o que não tem autoridade para entregar – convocar novas eleições presidenciais ou plebiscito, a moeda de troca é maleável – se o Senado restituir-lhe o mandato. Omite-se do conchavo informar quantos e quais seriam os senadores convertidos, quantos legisladores na Câmara dos Deputados, sem a qual o conchavo não funcionará, e, ainda, se não haverá pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, ativado pelo PSDB, OAB, ou qualquer um dos agentes que se sinta espoliado.

No linguajar ideológico do século XX figurava a apostasia do “voluntarismo” quando alguma liderança escapava às “condições objetivas de luta”, tentando impor iniciativas sustentadas pelo desejo de que o sucesso estivesse ao alcance de uma greve ou de um artigo jornalístico. Ignorando a “correlação de forças”, os apressados substituíam a real distribuição de poder pela contabilidade subjetiva que, não sendo compartilhada pelos grandes números, padecia de imperdoável idealismo. Idealismo desastrado, risco atormentando os reformadores diante de escolhas urgentes. Não assim aos propagandistas da vitória-a-espera-de-um-grito, certos de que a intensidade do desejo consegue sujeitar o mundo a suas elucubrações.

Duradouras expressões de inconformismo com o governo interino de Michel Temer indicam disposição do público de aderir à demanda de retorno aos “quadros institucionais vigentes” de que falava, em 1955, o general Henrique Lott. Se, à época, cumpria garantir a posse do presidente eleito, Juscelino Kubitschek, reivindica-se agora a restituição do mandato à presidente Dilma Rousseff, vitoriosa em 2014. O moto sincronizado de todas as manifestações tem sido “Fora Temer”, sem menção de remendos à Constituição contundida. Então, por que cargas d’água, contra a ilegal tomada do poder pelo PMDB, não basta o simples retorno de Dilma Rousseff à presidência? De onde surgiu a espaventosa ideia de novas eleições? E o que pensar do estranho enigma de exigir o retorno de Dilma Rousseff para que ela, então, convoque um plebiscito?

Mas, eis que a presidente Dilma Rousseff dispõe-se a apoiar novas eleições desde que recupere o mandato. Como assim? Se todos os movimentos pelas capitais afora recusam sua destituição do poder, a que vem abdicar em favor de novas eleições fora do cronograma previsto? Só com emenda constitucional, e quem irá convencer o Congresso, os tribunais, àqueles interesses que financiaram a campanha pelo impedimento e os jornais corrompidos?  Negociar o mandato com interlocutores não autorizados pode ser o fim da consagração obtida por Dilma Rousseff. Afinal, foi por um conchavo, desmoralizando o valor do voto, que ela saiu; é assim que pretende voltar? Mau negócio.

*Publicado originalmente no blog Segunda opinião.

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