Cunha na cadeia. A esquerda deve comemorar?


O mais notório político corrupto do Brasil, Eduardo Cunha está na cadeia! Num primeiro momento, a sensação geral é de comemoração. Motivos para isso não faltam, desde os casos de corrupção que vieram a público, passando pela agenda obscurantista que ele ajudou a promover no país e pelo seu papel na condução e execução do golpe que depôs a presidenta eleita Dilma Rousseff.

Após um primeiro momento de euforia irrefletida pela derrocada deste canalha, uma pequena reflexão, mesmo que superficial, deveria nos levantar alguns sinais de alerta para todas e todos aqueles que se identificam com a esquerda - em seu sentido mais amplo - afinal, esta prisão de Cunha pode ser apenas mais um prenúncio do que ainda poderá vir na escalada do arbítrio.



Os motivos apresentados que o levaram a prisão já eram públicos fazem alguns meses, o que causa mais estranhamento na decisão do juiz Sérgio Moro, tanto pela forma, como pelo seu momento, apenas após a consumação do golpe que levou Michel Temer a presidência. A sensação de que Cunha está, na verdade, sendo descartado após os serviços prestados, é grande.

Tem um detalhe, que não é pequeno, neste enredo. Não foi "a justiça" que decretou a prisão, foi o "juiz federal Sérgio Moro". Uma prisão politizada, guiada pelo clamor popular. Medidas alternativas e previstas em Lei não faltam, o que torna o atual judiciário brasileiro ainda mais perigoso, por caminhar abertamente para o despotismo, a revelia do devido tramite processual, que deveria ser a regra para todos e todas, não apenas para alguns, como em geral é, ou tem sido, no Brasil.

Vivemos uma situação de um escancarado aparelhamento ideológico do poder persecutório do Estado. Não é por considerar Cunha a personificação do que há de pior na política que devemos concordar com os métodos semi-legais adotados para esta sua prisão.

Não faltaram militantes e dirigentes políticos, identificados com a esquerda, que imediatamente após o anúncio da prisão de Cunha,  já partiram para se pronunciar defendendo a decisão monocrática do juiz Moro. Destaco aqui duas lideranças que, mais do que aplaudir a prisão de Cunha, partiram para uma defesa velada de Moro, da Lava Jato e seus métodos. Luciana Genro (PSOL) e Heloisa Helena (Rede), publicaram em seus perfis nas redes sociais, manifestações entusiasmadas com o ocorrido, sem nenhum milimetro de análise crítica.



Não vou aqui me alongar nestas manifestações, apenas pontuar que defender a operação Lava Jato, sem nenhuma crítica, é ser conivente com o arbítrio, que nada mais é que a ante-sala do Estado de exceção. Justificar o apoio ao Moro e cia usando uma generalização dos desvios do sistema processual brasileiro, está longe de ser uma saída, é o caminho para o precipício. É acreditar que o arbítrio deve ser generalizado, e não combatido.

Outro erro é ignorar a partidarização que marcou a operação durante quase toda a sua trajetória. Muitos poderosos seguem intocados (curiosamente, todos do PSDB) e há uma nítida politização das ações da Lava Jato que, as sua atuação nas vésperas das eleições municipais - todas direcionadas apenas contra o PT - foram por demais evidente, para citar apenas os casos mais recentes, entre tantos outros que marcaram a operação, principalmente no período que antecedeu o impeachment.

É esta mesma partidarização da Lava Jato que leva alguns a crer que a decisão de Moro não foi casual. Seria uma espécie de "cala a boca" para quem vinha denunciando esta politização e perseguição contra apenas um partido. Assim como não podem ser completamente desacreditados aqueles que apontam esta prisão como sendo o prenúncio de um "golpe dentro do golpe", para forçar a queda de Temer e a eleição de um novo presidente de forma indireta, como o grande desfecho desta trama. Todas as possibilidades devem ser levadas em conta nesta conjuntura.

O dever da esquerda, neste momento, é lutar pela manutenção do Estado Democrático de Direito. Com as liberdades, diretos e deveres assegurados de maneira equânime para o conjunto da população. Não devemos, de nenhuma forma, compactuar com a continuidade de práticas que extrapolam o ordenamento jurídico e constitucional brasileiro. A perpetuação da lógica de que estaríamos vivendo "tempos excepcionais", como afirmou o juiz Moro para justificar seu arbítrio, é o prenúncio para tempos de autoritarismo sem limites, legitimados por uma "opinião pública" difusa, cujo único parâmetro de aferição deste dito "clamor popular" é a opinião expressa pela grande mídia, com seus filtros e interesses próprios e ilegítimos, como todos nós já bem conhecemos.

Eu quero Cunha investigado, julgado e condenado por seus crimes, obviamente, mas dentro das normas legais e não fruto da decisão e vontade de apenas um indivíduo. Não podemos ser contra o arbítrio apenas quando atinge aos nossos amigos ou aliados, mas devemos defender a universalidade destes princípios para todas e todos como norma irrevogável, só assim resgataremos uma democracia plena no país.


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