A esquerda e o pedido de impeachment contra Dilma



Momentos de crise são sempre momentos  de incertezas. A paz tranquilizadora dos momentos de estabilidade se rompe, colocando como possível situações que outrora poucos julgariam sequer cabíveis.

O processo contra a presidenta Dilma Rousseff é singular e desafiador para a esquerda brasileira.

A atual conjuntura brasileira tem sido um terreno fértil para derrubar prognósticos e colocar em dúvida quais seriam as saídas possíveis para o atual cenário de crise política, somada a já prolongada crise econômica. Não vou aqui abordar a crise econômica, ainda que ela implicitamente se colocará. A queda acelerada de apoio popular ao governo Dilma, fator decisivo para embalar a toda sorte de sanha golpista, é em grande medida fruto do equívoco inicial de adotar uma política econômica recessiva e oposta a apresentada durante a vitoriosa campanha eleitoral de 2014.

O foco dos últimos dias no Brasil é inescapavelmente a campanha de impeachment  deflagrada por Eduardo Cunha na Câmara dos deputados. A agenda pró-impeachment, que estava enfraquecida nos últimos meses, após as denúncias de corrupção envolvendo o próprio Cunha, e a baixa adesão popular; foi para o tudo ou nada e o golpismo deu sua cartada final.

A tentativa de derrubar Dilma da presidência pelo artifício do impeachment, ainda que confira uma máscara legal a deposição de um governo democraticamente eleito, não consegue disfarçar o seu caráter golpista. As bases legitimadoras para a destituição de Dilma são extremamente frágeis, casuísticas e só estão prosperando devida as circunstâncias adversas do governo. O discurso da corrupção, carregado de moralismo, em boa medida só pode crescer embalado nos erros do próprio governo. A onda conservadora teve muito de sua capacidade de crescimento facilitado pelo vazio de uma narrativa de esquerda mobilizadora de esperanças.

Este vazio é de responsabilidade inescapável do governo e do PT, maior partido da esquerda brasileira e que deveria conduzir um processo transformador no país. Parcialmente o fez, com uma política de inclusão social e de fortalecimento do Estado, mas não soube dar os passos seguintes, enfrentando as estruturas de poder excludentes que historicamente se forjaram no Brasil. A reação conservadora soube aproveitar deste vacilo e com sucesso enfraquecer a esquerda.O enfraquecimento não é ainda uma derrota, mas caso o projeto golpista tenha sucesso, será uma derrota não apenas do PT e de Dilma, mas de toda a esquerda, em seu sentido mais amplo.

Em uma encruzilhada como esta, é inevitável o debate de quais as alternativas possíveis. Um debate necessário e incontornável em um momento em que a própria democracia está colocada em risco.

Compreender que em uma conjuntura adversa, o fundamental é aglutinar forças para buscar condições de recuperar a ofensiva, é o ponto de partida. Se reivindicar de esquerda, na atual conjuntura, é ser contrário ao golpe de Cunha e da oposição conservadora, defender a manutenção dos direitos da Constituição de 1988 e a própria democracia.

Qualquer rompimento da normalidade democrática brasileira provocará, nesta atual correlação de forças, algum nível de perda de direitos e de espaço político para os setores populares. Propor uma “nova constituinte” ou “antecipação das eleições” servirá, involuntariamente, apenas para ampliar a força da direita.

Não existe milagre e soluções mágicas, a reversão do quadro regressivo que enfrentamos será um processo, não existem atalhos. Aqueles e aquelas da esquerda que não levarem isso em conta, estarão apenas se afastando da realidade concreta e ingressando no confortável mundo dos desejos e sonhos, aos quais, em geral, não se concretizam.

Ao longo de 2015, foram inúmeras as tentativas de retiradas de direitos e de imposição de agendas conservadoras para a sociedade, (ataques a CLT, redução da maioridade penal, etc) mesmo com toda a adversidade aparente e real, nenhuma delas foram vitoriosas. A resistência popular foi decisiva e poderá agora, neste pedido de impeachment contra Dilma, mais uma vez sair vencedora. Os dias que irão se seguir serão decisivos, o resultado não está definido, apenas a luta que se seguirá.


2 comentários:

  1. O PT só tomaria as rédeas novamente se mudar de altitude, voltar ao que era e forçar o governo a retomar as pautas populares. Não me parece provável que o PT consiga isso sem adicionar uma mudança nos rumos da política econômica. O mais provável, me parece, é que, se a esquerda vencer esta crise, o fará com novas bases e outros partidos a liderando.

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