A democracia censurada no Brasil
Durante os meses que seguiram-se a deflagração do processo de afastamento da presidenta Dilma Rousseff, já se apresentavam sinais de que se travava uma batalha não apenas para desalojar um grupo político da presidência e a tomada do poder por outro, em uma mera disputa política dentro da "normalidade democrática", mas sim um movimento muito mais profundo de alteração do próprio funcionamento institucional do país. Um golpe, cujo objetivo maior é criar uma nova ordem, que subverta os princípios republicanos e cidadãos da Constituição de 1988.
Essa nova ordem ainda está em construção, fragilmente sedimentada em um arranjo de forças circunstancial para promover o butim do poder. Muitos dos objetivos específicos dos grupos e agentes políticos centrais, na trama que levou Michel Temer a Planalto, são contraditórios e inclusive opostos. Um exemplo recente foi o choque entre ministros do STF, com Gilmar Mendes na tropa choque, contra o MP, envolvendo vazamentos para imprensa com denúncias que atingiriam integrantes do judiciário. As crises por espaços de poder e pelo protagonismo deste "novo Brasil" pós-PT são previsíveis, difícil ainda dimensionar é a amplitude destes embates e quais serão suas consequências.
Um golpe se sabe como começa, mas jamais como termina. O último golpe brasileiro, o de 1964, viu em um intervalo de quatro anos, muitas das forças políticas que apoiaram o golpe que destitui o presidente João Goulart, serem elas próprias vitimas de expurgos e perseguição política. Um notório exemplo foi a perseguição do regime contra Carlos Lacerda, radical líder político da direita, golpista desde a primeira hora, mas que acabou sendo devorado pelo próprio golpe.
A democracia advinda após o declínio da ditadura comandada pelos militares, com sua transição "lenta e gradual" buscando sufocar as forças cidadãs que emergiram no movimento das Diretas Já, foi permeada por insuficiências, que impossibilitaram canais ampliados de participação e deliberação popular. No entanto, mesmo com um sistema político onde importantes esferas de interesse público são impermeáveis ao escrutínio da população, muitos avanços foram possibilitados pela participação cidadã nos espaços democráticos existentes. Limitados quanto ao seu alcance, estes avanços hoje são vistos como indesejáveis, a democracia mesmo é vista como um empecilho para levar a cabo a agenda de reformas que o grande capital exige.
Uma ruptura como a que está em curso, destituindo uma presidenta democraticamente eleita, trará sequelas no médio prazo ainda difíceis de mensurar. Uma consequência óbvia é que o instrumento democrático do voto teve sua força seriamente abalada, não havendo mais garantias de que a vontade majoritária das pessoas será respeitada.
O afastamento da presidenta Dilma não é apenas um ato de censura ao seu governo, mas um ato de força que censura a própria democracia brasileira. Uma democracia brasileira que já era rarefeita, caminha para uma gradual ampliação de sua restrição, onde apenas alguns poucos terão o privilégio de usufruir.
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