Quantos corruptos são necessários para derrubar uma presidenta honesta?



Para retirar uma presidenta democraticamente eleita, deve haver crime de responsabilidade, que é a única maneira prevista na Constituição ainda vigente no Brasil. Sem a existência de um crime real, somente através do subterfúgio da "criação" de um crime, se pode levar adiante tal impeto. O processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff comprovou que não houveram os crimes que ela foi acusada, no entanto, isso é uma mera formalidade, necessária para dar os contornos legais para um processo em essência ilegítimo.

A conspirata que possibilitou que o golpe contra a democracia fosse disferido, sem dúvida só se tornou possível por uma variedade de fatores e agentes diversos, unidos efemeramente por um objetivo comum, que era desalojar Dilma do Palácio do Planalto. Os motivos e objetivos eram variados (e inclusive contraditórios), mas conseguiu-se amalgamar toda essa pluralidade de interesses em um único objetivo. Entre todos os agentes, um se destaca com relevo: o deputado Eduardo Cunha.



Sem a ação permanente do deputado Eduardo Cunha para inviabilizar o governo Dilma no congresso e impor uma agenda conservadora, seria muito mais difícil o processo que conduziu Michel Temer a presidência se concretizar.

Curioso neste processo todo é que o tema da corrupção, a partir da ação midiática seletiva da operação Lava Jato, foi um dos motes que mobilizaram muitos setores da sociedade para defenderem o Fora Dilma. No entanto, estes mesmo setores não se incomodaram com o fato de ser justamente Eduardo Cunha, notório corrupto e envolvido ele próprio nas investigações da Lava Jato, ser a cabeça a frente do capítulo parlamentar do golpe.

Cunha, evidentemente, não seria capaz, sozinho, de levar a frente este processo. Por essa razão, se coloca a pergunta: quantos parlamentares corruptos são necessários para derrubar uma presidenta honesta?

Para tentar esclarecer esta questão, cabe delimitar que por corrupção iremos nos restringir apenas aos parlamentares (deputados e senadores) já com investigações e acusações criminais públicas. Não iremos aqui apontar parlamentares que praticaram tráfico de influência e negociatas vis para definir sua posição frente a este processo. Senadores e deputados que literalmente venderam seu apoio ao golpe em troca de cargos e benefícios variados, ainda que muitos tenham sido noticiados, sabemos que levará ainda um tempo para que tenhamos a sua real dimensão.

Na Câmara, dos 513 deputados cerca de 150 dele são investigados no Supremo Tribunal Federal (STF), em inquéritos (procedimentos preliminares anteriores à abertura dos processos) e ações penais (os processos, de fato). As acusações vão de crime de responsabilidade – como o atribuído a Dilma – a corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e desvio de verba pública.

Na votação que permitiu a abertura do impeachment  na Câmara de Eduardo Cunha, a proposta recebeu 367 votos favoráveis e 137 contrários, ou seja, quase a metade estava respondendo à alguma investigação.

No Senado, um terço da casa responde a acusação criminal. Dos 81 senadores, 24 são acusados ou suspeitos de práticas criminosas, que vão desde desvio de verbas públicas indo até casos de ligações com tráfego de drogas. O próprio presidente do Senado, Renan Calheiros, a exemplo de Cunha, também responde por uma variada série de acusações.

Sem dúvida é uma bizarra particularidade dos sistemas político e jurídico brasileiro permitir que parlamentar réu, investigado – ou até mesmo condenado à prisão pela mais alta corte do país – legisle sobre os grandes temas nacionais e atue, inclusive, como juiz. Outra particularidade bizarra que a crise política propiciará é que justamente os investigados e maiores envolvidos em denúncias de enriquecimento ilícito irão tomar o poder de assalto.

Quanto a Dilma, a quem não pesa nenhuma acusação desta natureza, restará a resistência em defesa de seu legado e da própria democracia, enquanto os corruptos vencedores, terão prêmio máximo de poder prosseguir livremente com seus negócios e interesses pessoais, sem se preocupar com os inconvenientes de ter uma presidenta inflexível com a corrupção e que deu plenos poderes para os órgão de investigação.

Com tantos corruptos a solta e com a punição contra Dilma, a impressão que fica é que ser honesto passou a ser um crime.


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